quarta-feira, 10 de novembro de 2010

O ACORDO ENTRE O BRASIL E A SANTA SÉ

O ACORDO IGREJA ESTADO
                No dia 13 de novembro de 2008, A República Federativa do Brasil e a Santa Sé, em Roma, sob á égide do Presidente Luís Inácio Lula da Silva e do Papa Bento XVI, através, respectivamente, de seu ministro do Exterior e do Secretário de Estado, assinaram um acordo de mútua cooperação entre o Estado brasileiro e a Santa Sé.
               Trata-se de um evento memorável, de extrema importância e significado. Estabelece, em termos jurídicos, as relações entre Igreja católica, em sua atuação no Brasil e a República Federativa do Brasil.
               Recolhe, num único texto legislativo, o estatuto jurídico da Igreja Católica no Brasil, dando-lhe força de um tratado internacional
Após a separação da Igreja e do Estado, desde a Revolução Francesa de 1789, sentiu-se a necessidade de regulamentar a presença da Igreja em todos os países em que se deu esta separação.
Vivemos numa nova época, que ultrapassou  os tempos dos Estados Confessionais, que uniam Igreja e Estado, ou seja, uniam religião – não só a católica, mas, nos países protestantes, a Luterana, e nos países muçulmanos, o Islam – e Política, numa condição que, muitas vezes, se mostrou perniciosa.
Falamos hoje de um Estado Laico ou da laicidade do Estado. Mas isto não pode significar a eliminação da Igreja, como acontecera na Revolução  Francesa e que Napoleão Bonaparte, depois, teve que reparar com uma concordata.
Sente-se a necessidade de reconhecer juridicamente a autonomia de ambos. A máxima que vem ressoando desde então, é de uma Igreja livre num estado livre.
A partir do Concílio Vaticano II intensificou-se a praxe de estabelecer pactos bilaterais. Hoje, estes acordos ultrapassam uma centena. Estabelecem as relações entre os estados, mesmo não cristãos, e a Igreja Católica.
O Brasil, em que pese sua condição de maior país católico do mundo – não em percentagem mas em número de fiéis – desde a proclamação da República carecia de um estatuto jurídico mais aprimorado.
As relações do Estado coma a Igreja eram regidas pelo decreto 119 A, de 7 de janeiro de 1890. Reconhecia-se a existência da Igreja Católica no Brasil – contrariamente ao que acontecera na França, cuja Revolução a decretou extinta.
Aos poucos, porém, começou-se a sentir a necessidade de elaborar leis complementares para regularizar as atividades de mútua incidência. Agora, com o Acordo oficial, assinado em Roma, todas as leis, já existentes – mesmo e exatamente porque, em muitos ambientes, eram ignorados – se reúnem num acordo bilateral.
Este Acordo entrará em vigor após ratificado pelo Congresso Nacional, por se tratar de um pacto internacional. Isto significa que, a partir de então, se revestirá de garantias de um tratado internacional.
Contudo, todas as leis, nelas contidas, que já existiam, continuam com sua validade, mesmo antes da ratificação. O Acordo apenas as estende para novos campos e lhes dá uma clareza e força indiscutíveis.

O CONTEÚDO DO ACORDO

O Acordo Bilateral não elimina a laicidade do Estado nem discrimina as demais confissões religiosas. Situa-se, ao invés, no contexto plenamente democrático e pluralista, da igualdade e da liberdade religiosa para todos.
Outras confissões religiosas poderão seguir o mesmo caminho para sua atuação específica,. Assim, tudo se tornará mais claro e harmônico.
O Acordo reafirma, mais explicitamente, o que já era do consenso geral e já tinha leis regulamentando:

1. A personalidade jurídica da Igreja Católica com todas as suas instituições, desde a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), às Dioceses, Vicariatos, Paróquias e Institutos Religiosos.
2. Reconhece a Filantropia e os benefícios tributários, de paridade com as demais entidades civis da mesma natureza, dentro do pleno respeito às leis.
3. Acolhe a colaboração com o Estado, no campo cultural.
4. Garante o direito e o compromisso da assistência religiosa nos estabelecimentos de saúde, nos presídios, nos meios militares.
5. Assegura a paridade de tratamento nas escolas, dentro de uma efetiva igualdade  e liberdade religiosa.
6. Reconhece os títulos acadêmicos universitários emanados pela Igreja.
7. Propugna o ensino religiosos católico nas escolas públicas de ensino fundamental.
8. Reconhece os efeitos civis do casamento religioso e das sentenças eclesiásticas.
9. Garante a destinação de espaços para fins religiosos nos planejamentos urbanos.
10. Exclui do vínculo empregatício os padres e religiosos.]
11. Garante o direito dos bispos de pedir vistos para missionários estrangeiros.
12. Reafirma as relações diplomáticas entre o Brasil e a Santa Sé.
13. Reconhece os seminários como educação oficial do Brasil.
14. Garante o respeito ao segredo do ministério presbiteral.
15. Abre a possibilidade de a CNBB implementar este Acordo, com outros convênios, junto aos órgãos do Estado brasileiro.
O Acordo não representa uma prerrogativa nova para a Igreja. Desde a extinção do Padroado, com o Decreto 119 A de 1890, a personalidade jurídica da Igreja constitui um fato incontestável.
A proclamação da República, separando a Igreja do estado, não a eliminou, como fizera a Revolução Francesa, mas a reconheceu como realidade independente.
O fato CE não reconhecer o vínculo empregatício entre os ministros ordenados e suas dioceses, nem entre os fiéis consagrados e seus Institutos religiosos, nunca suscitou dúvidas, nem por parte da Igreja nem por parte da Jurisprudência trabalhista.
Não representa, pois, nada de novo. Apenas reconhece juridicamente o que, na prática, já se vinha fazendo.
Quanto à Imunidade tributária apenas se concretiza e explicita o Art. 150 Inciso VI da Constituição Brasileira. Atribui-se à Igreja Católica o mesmo tratamento concedido às entidades Filantrópicas.
Entendem-se por imunidade tributária não só os prédios, destinados explicitamente ao culto, mas também todos o patrimônio, com suas rendas e serviços, relacionados com as finalidades essenciais da Igreja, segundo o parecer, já amplamente consensual, emanado pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Ministro Gilmar Mendes.

A PERSONALIDADE DA IGREJA

UM POUCO DE HISTÓRIA
Quem lê  o Antigo Testamento percebe que a religião é anterior ao estado. Moisés organizou o povo eleito a partir da aliança com Deus. Esta constituiu sempre a identidade daquele povo.
Quando, após diversos séculos, o povo pediu um rei à semelhança dos outros povos mais bem organizados politicamente – Samuel ficou triste porque via ali uma diminuição da presença e do reconhecimento do senhorio de Deus.
Mas os tempos haviam mudado. As novas exigências de organização impeliam à criação de uma estrutura política mais aprimorada. Mas, como era costume da época, o regime seria teocrático. Os profetas ainda vem toda a história de Israel na perspectiva da Aliança com Deus. Também os reis lhe estavam submissos.
Com a conquista de Jerusalém por parte dos Babilônios e a conseqüente destruição do templo, cessavam os lugares sagrados, bem como toda organização religiosa e civil do povo eleito.
Este, agora, era escravo na Babilônia. Ciro, ao conquistar esta cidade, deu liberdade e mandou que os judeus reerguessem seu templo em Jerusalém. Novamente a religião passava à frente da política.
Mas veio a conquista grega. Com o rei Antíoco chegou às culminâncias a tentativa de sufocar a cultura e a religião dos súditos para implantar a cultura grega a ferro e fogo. Aliás era o costume da época: os vencedores destruíam as “divindades” dos vencidos, para garantir a própria supremacia.
Fazia exceção Roma. Os heróicos Macabeus, na resistência ao jugo grego, quiseram firmar suas vitórias, conseguidas em nome do Senhor, o Deus de seus pais, com uma aliança com Roma.
Obtiveram  garantias de liberdade religiosa e de apoio militar para resguardá-la. Desde então os judeus gozaram, no Império Romano, de um estatuto próprio, que lhes assegurava o livre exercício de sua fé religiosa.
Os cristãos que inicialmente eram confundidos com os judeus, tanto por sua origem como pela maioria dos fiéis, desejavam gozar das mesmas prerrogativas.
Mas estes não consentiram. Pelo contrário: acusaram os cristãos de infidelidade, suscitando perseguições contra eles. Foram três séculos de sofrimento e martírio.
Somente em 313, com o imperador Constantino, cuja mãe S. Helena era cristã, se conseguiu a desejada liberdade religiosa. De então em diante era possível viver e professar publicamente a fé em Jesus Cristo, Salvador.
No fim do Século IV, Teodósio deu um passo a frente. Proclamou, primeiro, o cristianismo religião oficial do império e, depois, declarou extintas as demais crenças. Chegamos assim ao Regime de Cristandade.
Neste regime sobressaem três figuras imprescindíveis, que se firmaram no decorrer da Idade Média: O Papa, o Imperador e a Universidade de Paris. Todos reconheciam a necessidade e defendiam a distinção destas três  instâncias, como complementares.
No Papa se via a figura da mãe, no Imperador, a do pai e na Universidade, a fonte de inspiração.
Houve, sem dúvida, tensões como costuma acontecer entre instituições humanas. Mas a estrutura permaneceu sólida até a revolução francesa, em 1789, quando se declarou extinto o Cristianismo, se guilhotinou o rei e se criou uma religião do estado.
Houve novamente muitos Mártires Cristãos. Napoleão viu, com a perspicácia que lhe era peculiar, que a Igreja não se reduzia à autoridade do Papa e dos bispos. Era um povo inteiro que plasmava sua fé me cristo.
E este povo era também súdito seu, em todos os demais aspectos submisso e fiel. Tinha pois que fazer as pazes não só com os inimigos externos, como também com os seu próprios súditos,  respeitando também sua fé me Jesus cristo como também sua pertença a Igreja, Corpo de Cristo, presente e muito atuante no país.
Fez, pois, um acordo com a Santa Sé, regulamentando a vida da Igreja católica na França. Ainda não sopravam ali os ventos da democracia, em que o povo  decidiria sobre seus destinos.
Quase um século depois, a Itália procedeu à sua unificação. Apostou-se dos Estados Pontifícios, que ocuparam todo o centro da península itálica e tomou todas as propriedades da Igreja, que lhe davam sustento, como já fizera a Revolução Francesa no seu país.
O Papa, desde 1870, considerou-se prisioneiro do Vaticano, cercado de altas muralhas. Somente no Século XX, com Mussolini, que, apesar de seu totalitarismo, percebeu as incoerências da situação, se chegou a um acordo.
Deu-se não só liberdade ao Papa, como também a todos os fiéis italianos de viverem sua eclesialidade no novo reino laical. Ao Papa reconheceu-se um território livre de qualquer ingerência, dentro das normas internacionais da independência: o menor estado do mundo, mas nem por isso o menos importante.
Chamou-se Estado da Cidade do Vaticano, abreviado como SVC. Obteve logo o reconhecimento internacional. Mantém, desde então, relações diplomáticas com quase duas centenas de Estados independentes.
Para a Igreja na Itália fez-se um acordo, garantindo, a título de indenização pela usurpação de sua propriedades, uma “côngrua sustentação” do Clero e uma presença e atuação em todos os ambientes da sociedade
No Brasil havíamos herdado dos portugueses o regime do padroado. O Estado mantinha economicamente a Igreja, em troca de uma série de concessões.
Foi o sistema inventado para sustentar as missões nos países recém- descobertos. Os reis, tanto da Espanha como de Portugal, profundamente católicos, assumiam a incumbência de sustentar a evangelização doa povos, em troca de ua série de favores, entre os quais o placet sobre as ações da Igreja.
Inicialmente este regime deu bons resultados. Mas, arrefecendo o ardor missionário, ou seja, prevalecendo a política sobre a mística, começou-se a sentir a restrição, cada vez maior, à ação da Igreja, tanto na criação das dioceses, seminários e Paróquias, como na pregação da justiça e do próprio Evangelho. Na verdade, a Igreja encontrava-se manietada nas mãos do estado.
Quando em 1890, se proclamou a República, pôs-se fim não só a monarquia como também o regime do padroado. Não se tratou, como no caso da França e da Itália, de uma apropriação dos bens da Igreja, e muito menos, de uma proibição do exercício da missão.
Pelo contrário, no Brasil, O Estado se retraiu do campo que era da Igreja. Reconhece a liberdade religiosa, tanto para ela quanto para as demais religiões. Por isso abstém-se de privilegiar ou subvencionar alguma.
Prevalece a máxima de uma Igreja livre em um estado livre, o que equivale a dizer que nem a Igreja deve prestação de contas de sua atividade específica ao Estado, nem o estado à Igreja.
No Decreto n. 119 A, de Deodoro da Fonseca e de uma junta governativa, se reconhece, em nome da nação, a liberdade não só dos atos individuais como também das Igrejas, associações e institutos (art. 3); e a personalidade jurídica de todas as Igreja e confissões religiosas, para adquirirem e administrarem bens (art 4).
A grande novidade é que a Igreja católica deixa de ser Religião oficial do estado e se reconhecem direitos iguais a todas as demais confissões religiosas. Em outras palavras, até então, para entrar e viver no Brasil, era preciso ser católico.
Houve uma exceção devida à campanha da imigração estrangeira, que se abria para os outros povos, não portugueses.
Refere-se aos protestantes alemães, acolhidos como imigrantes a partir de 1824. Era-lhes concedido manter e praticar sua fé,  com a condição de não fazer proselitismo.
Com a proclamação da República, a separação do Estado e da Igreja fez com que o primeiro se tornasse laico e o segundo passasse para a condição de semi-privacidade. O Estado moderno tem assim uma característica de laicidade. Não, porém, a sociedade, que se mantém profundamente religiosa e, no nosso casa, católica.
Nicolas Sarkozy, Presidente da República da França, caracteriza muito bem a laicidade do Estado, que surgiu exatamente em seu país, proclamando a seu tempo como filho primogênito da Igreja.
Diz ele: “ A Laicidade não poderia ser a negação do passado. A laicidade não tem o poder de cortar uma Nação de suas raízes cristãs. Ela tentou fazê-lo. E não deveria tê-lo feito. Eu acho que uma nação que ignore a herança ética, espiritual e religiosa de sua história comete um crime contra sua cultura”.
A questão das relações entre Igreja e Estado é estudada pelo Direito Público Eclesiástico. Compreende duas modalidades. A primeira retrata as relações, por assim dizer, materiais. Promanam da estrutura objetiva, independente da vontade humana de seus dirigentes. Ou seja: os cidadãos do Estado são, em grande parte, os mesmos da Igreja. Sua vida se desenvolve nestes dois ambientes, que não podem se contrapor, sob pena de causar traumas nas consciências dos súditos.
Podemos denominá-los brasileiros católicos. Amam seu país e amam sua Igreja. São. Pois, fiéis aos ditames do bem comum da nação e fiéis às orientações religiosas da Igreja: cidadãos, por assim dizer, da terra e do Céu.
A segunda modalidade retrata as relações formais. Surgem quando ambas as sociedades, a Igreja e o estado, por sua respectivas autoridades, assumem explicitamente suas relações mediante um acordo. Formalizam suas relações.
Vêem-se as questões mais importantes que afetam os cidadãos e fiéis de ambos os lados e se estabelecem normas de procedimento comum.
De fato, nota-se que tanto a separação da Igreja e do Estado como sua plena união não correspondem, atualmente, nem à índole dos regimes democráticos, numa sociedade pluralista, nem ao espírito e às diretrizes do Concílio Vaticano II.
Em outras palavras, explicitando: quando não é o monarca ou ditador quem decide sobre os destinos da nação, mas o próprio povo elege e controla seus representantes; e quando a Igreja defende, com toda a veemência, a liberdade religiosa não só para si mas também para todas as denominações religiosas, em qualquer parte do mundo, não se concebe mais que uma religião seja imposta aos súditos de um país, mas também não se compreende como um governo, que representa seu povo, ignore sua fé e persiga ou discrimine seus súditos por motivo de suas crenças.
Para dirimir uma série de questões nas quais tanto a Igreja, de instituição divina, como o estado, de criação humana, tem competência, é preciso emanar leis para regulamentar esta relação. Chegou, agora, o momento, após mais de três lustros de tratativas nos mais altos escalões do Governo federal e da Igreja, de reunir todas estas leis e firmá-las por um acordo bilateral, que dê segurança a ambas as partes.
Este acordo dará tranqüilidade aos fiéis e aos cidadãos, em alguns pontos de extrema importância para ambas as instituições, como veremos adiante.

O RECONHECIMENTO ESTATAL

Ninguém duvida da existência da Igreja Católica no Brasil. A História do Brasil está indissociavelmente ligada à presença da Igreja Católica. Celebrou-se seu nascimento com uma Missa. A Igreja deixou marcas indeléveis em nossa pátria, ao longo de seus 500 anos de caminhada.
Ainda hoje se podem constatar suas instituições e sua atividade pujante em todo o território nacional.
Na ação concreta, porém, este reconhecimento muitas vezes trepida. O Acordo reconhece claramente a personalidade jurídica da Igreja Católica não só de modo Geral e vago, mas em todas as suas Instituições, previstas no Direito Canônico.
Especifica, entre outras, no art. 3, a Conferência Episcopal, conhecida nacionalmente como CNBB, as Províncias Eclesiásticas, as Dioceses, Prelazias, Vicariatos, Ordinariado Militar e para outros ritos, Paróquias, Institutos de Vida Consagrada e Sociedade de Vida Apostólica. Requer apenas, para o devido reconhecimento local, o registro civil do ato da criação.
Dentro do Principio da liberdade religiosa, garante-se à Igreja o livre exercício público de sua missão. NA verdade isto não constitui nada de novo dentro de um regime democrático, que paute sua ação pelo princípio de subsidiariedade.
Mas evita muitos dissabores, provenientes de ingerências indevidas de agentes e de órgãos públicos, tanto de poder executivo como legislativo e judiciário, no que diz respeito ao exercício eclesiástico do poder da ordem, na administração dos sacramentos, no culto divino; do poder do magistério, para a difusão da doutrina e dos documentos oficiais; do poder da jurisdição, na emanação de leis e atuação dos tribunais eclesiásticos; e no poder de administração, na nomeação dos bispos, párocos e agentes de pastoral.
O mútuo reconhecimento entre a Igreja e o Estado brasileiro não envolve um ato de fé na Igreja, como corpo Místico de Cristo e instrumento sobrenatural de salvação.
Acolhe apenas sua existência como fato histórico, presente incontestavelmente no Brasil. Por isso não exclui um equivalente reconhecimento de outras confissões religiosas. Não se questiona nem se afirma explicitamente  a natureza divina sobrenatural, nem se determina que a Igreja católica é a única verdadeira, nem sequer se impõem seus dogmas de fé à população.
Estabelece-se, apenas, clara e explicitamente, que os católicos, no Brasil, tem direito de professar sua fé e viver de acordo com ela, tanto em particular como publicamente, tanto em relação a própria Igreja como em relação à salvação.
Isto significa reconhecer a liberdade religiosa. Não se impõe nada nem se faz menção das outras religiões, para eventualmente excluí-las ou dar-lhes uma qualificação estranha.
Garante-se-lhes a mesma liberdade religiosa. O acordo não põe, pois, a Igreja Católica numa posição privilegiada. Apenas lhe reconhece a existência e atuação, no Brasil, dando-lhe as devidas garantias, que logo mais explicaremos.
Regulamenta alguns pontos, que provocavam, às vezes, atritos. Abre ainda a possibilidade de a própria CNBB regular, com o Estado, outras questões, quando se chegar a um consenso, como por ex., a problemática dos feriados religiosos, e a posse dos meios de comunicação rádio-televisivos.
O Acordo não se faz entre o presidente da República e o Papa, mas entre a Santa sé, em nome da Igreja Católica, e o Estado brasileiro. Tem, pois, uma força e firmeza de um acordo internacional.

A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA
Quando se tenta equiparar entidades diferentes corre-se o risco de falsificação e, consequentemente, de injustiça. A Igreja não é empresa. Tem uma índole própria, religiosa, que foi recolhida pelo Acordo e se faz presente na Constituição brasileira.
O argumento de igrejas, eventualmente criadas para outros fins, que não sejam religiosos e que não tenham objetivo especifico de levar a Deus e de proporcionar a salvação eterna aos homens não deve nem pode obnubilar a verdade acerca da Igreja Católica, bem como de outras, cuja seriedade não se pode por em dúvida.
Por isso, o Acordo é bilateral. Faz-se entre a Igreja Católica, que apresenta uma tradição de dois mil anos e demonstra sua seriedade na organização de seus quadros e de sua organização, e o Estado brasileiro.
Quando aos outros credos deixa-se aberta a questão. Poderão ser testados, pelo governo , um por um, para estabelecer Acordos similares, na medida em que mereçam confiança e apresentem as mesmas condições de seriedade.
A Constituição Brasileira fala de imunidade. Muitas leis lhe acrescentam isenções de determinados impostos. Trata-se de uma isenção que é própria do campo religioso.
A Igreja, por sua vez, propõe três grandes campos para requerer imunidade: o campo do clero, o campo dos espaços que ocupa e o campo das taxas de serviços.
Par entender melhor tentemos especificar: antigamente, no regime da cristandade, falava-se dos privilégios dos clérigos, à semelhança dos privilégios dos militares. Prendem-se ao seu regime próprio, a serviço do bem comum.
Além disto estabelece-se a imunidade dos templos. Estende-se à imunidade das taxas, tendo em vista que os bens da Igreja estão a serviço de todos e da manutenção especifica da Igreja, tanto do culto,do magistério como da caridade.
A Igreja reconhece ao Estado o direito de ordenar os bens temporais. Como, porém, ela necessita de bens temporais para alcançar seus objetivos, que são sobrenaturais, põe-se no plano da isenção dos impostos e das taxas. Entre seus objetivos sobressai a educação, o culto e o Matrimônio.
O ponto de atrito costuma verificar-se no que diz respeito aos impostos sobre bens materiais. O art. 5 do Acordo vem dirimir a questão. Garante todos os direitos, imunidades, isenções e benefícios atribuídos a entidades afins quando as pessoas jurídicas eclesiásticas, como é de sua índole, de fato, perseguem fins de assistência a solidariedade social.
Como a Igreja, por sua própria natureza, tem uma dimensão participativa, unindo seus fiéis em torno de Jesus cristo, pela força do Espírito Santo, uma dimensão misericordiosa, indo ao encontro dos mais necessitados, para que todos tenham vida em abundância e uma dimensão missionária, anunciando a todos os povos a boa nova da salvação e da paz, é óbvio que seja essencialmente filantrópica e desenvolva atividades de assistência social.
A legislação brasileira estabelece algumas normas para seu controle efetivo. Elas devem, sem dúvida, ser observadas. Diante do acordo, todas as pessoas jurídicas eclesiásticas, podem, sem escrúpulos, requerer sua filantropia e garanti-la contra quaisquer invectivas.
O art. 15 reconhece tanto às pessoas jurídicas como ao patrimônio, renda e serviços, relacionados com suas finalidades essenciais, a imunidade que lhe garante a Constituição brasileira.
Para fins tributários, no que se refere à sua atividade social e educacional, atribuem-se-lhe o mesmo tratamento e benefícios outorgados às entidades filantrópicas, com tudo o que diz respeito à imunidade e à isenção.
Por este artigo do Acordo as Dioceses e Institutos de Vida Consagrada se enquadram  no âmbito da filantrópica e gozam das respectivas isenções. A Igreja, por meio de suas pessoas jurídicas, reconhecidas pelo Acordo, tem por missão específica a evangelização.
Isto envolve necessariamente  uma intensa atividade  social e educacional. O que, eventualmente, se deverá fazer para viabilizar esta sua ação é adaptar a terminologia eclesiástica à linguagem civil, para que todos compreendam de que se trata.
O empenho pela Nova Evangelização já o preconizava, ao preparar o Grande Jubileu do ano 2000: novo ardor, novos métodos e novas expressões, o que equivale a traduzir nossa ação evangelizadora para uma linguagem compreensível aos novos tempos, dentro da sociedade civil, como promoção verdadeiramente humana, em termos de atividade social e em termos de educação.
A Igreja, esperta em humanidade, entende de educação. Ela foi pioneira na criação de escolas e universidades – e entende de promoção humana – de modo a ser, desde suas origens, admirada por todos devido à sua efetiva solidariedade, especialmente para com os mais carentes.
Ela nunca abandonou estes campos. É, pois, essencialmente filantrópica, o que tem demonstrado ao longo de toda a sua História. Sua missão é evangelizar, o que equivale a anunciar e concretizar uma boa nova, qualificada em termos de redenção, salvação, libertação, humanização.
A discussão sobre o que seja prioritário para a Igreja: evangelizar ou humanizar, está, há muito, superada pela evidência de que evangelizar é fundamentalmente humanizar; anunciar Jesus Cristo e tornar presente sua salvação é o modo mais excelente de humanização.
É levar à plenitude a vida e a sociedade humana, proporcionando-lhe paz e solidariedade. É o que agora vem oficialmente reconhecido pelo Acordo, que o Brasil assinou com a Santa Sé.

A COLABORAÇÃO CULTURAL


A Igreja no dizer do Papa Paulo VI à Assembléia da ONU, é mestra em humanidade, Além do trabalho pastoral e evangelizador, que realiza no dia a dia, ela dispões de um patrimônio histórico, artístico e cultural e um acervo em arquivos e bibliotecas de valor inigualável.
O Acordo estabelece o principio de cooperação neste campo cultura. Considera, com justa razão, o patrimônio eclesiástico como parte do mais valioso acervo cultural e artístico do Brasil.
Para  marcar esta colaboração mútua serve-se de três verbos muito significativos: Salvaguardar, valorizar e promover. Deseja que estes bens sejam colocados à disposição do público, para firmar nossa identidade brasileira, de modo que todos possam deles usufruir.
A  República Federativa do Brasil garante, agora, a finalidade dos bens eclesiásticos  e a Igreja católica se compromete a facilitar o acesso a eles, dentro da finalidade que lhes é característica, na evangelização e na formação da consciência nacional.
Sabemos da importância deste acervo histórico, artístico e cultural tanto para garantir e promover a identidade de nossa cultura e de nosso povo como para a evangelização.
O passado nos fala da fé e da piedade, que constituiu nosso berço e que refontiza nossas aspirações. Mais de 80% de toda arte se encontra em nossas igrejas e museus eclesiásticos. Vale a pena zelar por ela.

ASSISTÊNCIA RELIGIOSA

Igreja tem, por missão própria, EVANGELIZAR. Exerce-a pelo tríplice ministério: da Palavra, dos sacramentos e da Caridade. Por sua opção pelos pobres, cujo rosto sofrido a V Conferência dos Bispos da América Latina, realizada em Aparecida SP, vê especialmente nos moradores de rua, nos migrantes, nos enfermos, nos dependentes de drogas e nos presos, Ela se sente comprometida com a assistência espiritual, especialmente com seus fiéis internados em estabelecimentos de saúde, de assistência social, de educação ou detidos em penitenciárias.
A República Federativa do Brasil, por meio do art. 8 do Acordo, lhe garante este direito. Isto significa, concretamente, que as portas dos hospitais, dos asilos, das escolas e das prisões estão permanentemente abertas para a ação da Igreja, sempre bem planejada e respeitosa das autoridades respectivas.
Este Art. 8 traduz uma frutuosa confiança mútua entre Igreja e estado. Ambos estão a serviço de seus fiéis e cidadãos, respectivamente, num clima de cordialidade, de solidariedade e partilha de responsabilidade.
Abre-se aqui um enorme campo para a atividade pastoral da Igreja, que requer organização eficiente e formação acurada de agentes credenciados, que atuem em nome e critérios da Igreja.

AS ESCOLAS CATÓLICAS

A Igreja e o Estado, pelo art. 10 do Acordo, propõem-se a colaborar intensamente na educação do povo. A Igreja coloca suas instituições de ensino ao serviço da sociedade e o Estado lhe garante e reconhece o direito de constituir e administrar seminários para a formação de sue clero e outros institutos de formação e cultura para exercer sua missão de ensinar.
O reconhecimento de seus estudos e graus regula, a partir do Acordo, em paridade com os estudos de idêntica natureza do Estado.
Com estas disposições, as escolas católicas não mais serão discriminadas com uma eventual concessão de quotas para o ingresso no ensino superior a alunos provindos de instituições públicas, nem estarão sujeitas a exigências maiores que aquelas que se requerem para o funcionamento dos colégios públicos.
O problema básico das escolas católicas, como de todas as escolas chamadas particulares, se encontra no seu financiamento. Não é justo, dentro da paridade estabelecida, alunos das escolas católicas, cidadãos como os demais, terem que pagar seus estudos, enquanto para as escolas públicas este pagamento provém da sociedade, através dos impostos pago por todos os cidadãos, com índice superior de custos.
Já há tempo, quando da reivindicação do ensino gratuito em todos os níveis, as entidades religiosas se dispuseram a proporcionar ensino sem ônus para os alunos se o estado lhes repassasse  uma terça parte do que gasta por aluno nas escolas públicas.
Na verdade não existe ensino particular porque todo ele deve adequar-se aos programas oficiais. Mas existe uma administração particular de escolas, muito mais de acordo com o princípio de subsidiariedade.
Ainda não chegamos a este regime democrático na educação, que deixaria a administração do ensino nas mãos das comunidades e as subvencionaria com os recursos e a orientação pública.
Mas já constitui um grande passo  o estabelecimento, em Acordo mútuo, da paridade do reconhecimento dos estudos, graus e títulos. 

OS TÍTULOS ACADÊMICOS

A Igreja dispõe, no mundo, de universidades eclesiásticas e administra cursos de nível superior, com seus respectivos graus acadêmicos.
O Acordo acolhe estes títulos, dentro das exigências dos ordenamentos jurídicos, tanto do Brasil como da Santa Sé.
É costume estabelecerem-se acordos entre nações para o reconhecimento de títulos acadêmicos para alunos que buscam, no estrangeiro, o aprimoramento de seus estudos.
A Igreja e o Estado brasileiro agora também acolhem mutuamente este dispositivo, que facilita e valoriza o estudo feito nos estabelecimentos eclesiásticos.

O ENSINO RELIGIOSO CATÓLICO

O Art. 11 do Acordo Brasil – Santa Sé dirime uma longa discussão e uma série de dúvidas. A constituição brasileira de 1988 determina que “o ensino religioso, de matricula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas do ensino fundamental.
Houve uma primeira interpretação como se tratasse de “uma religião genérica”. Por isso a-confessional, indefinida ou eclética. Está religião, porém, na verdade, não existe. Não pode e não é concretamente praticada por ninguém.
O Estado do Rio de Janeiro conseguiu oficialmente o reconhecimento do ensino católico nos estabelecimentos públicos, como plenamente constitucional.
O Acordo, no art. 11 n.1, para evitar qualquer dúvida bem como qualquer discriminação, insere, junto ao “ensino religioso”, da constituição, os termos, “ católico e de outras confissões religiosas, de matricula facultativa...”. Assegura assim o respeito À diversidade  cultural religiosa do Brasil e evita qualquer forma de discriminação.
Este dispositivo, como referimos acima já em vigor no Rio de Janeiro, muda nossa prática de ensino religioso. De agora em diante ele terá um colorido confessional. Em outras palavras, envolve uma comunidade de fé, de esperança e de caridade.
Não se trata de catequese, que visa administração dos sacramentos na comunidade, mas de uma verdadeira formação religiosa, com os valores próprios da fé dos alunos e de seus familiares.
Não seria concebível ministrar, sob o titulo de ensino religiosos, a católicos, apenas alguma vaga noção de divindade, suscitar um sentimento religioso estranho ao que sentem os alunos e suas famílias ou limitar-se a algumas noções de ecologia.
Nosso ensino religioso católico envolve necessariamente um conhecimento claro de Deus, revelado como Pai, por Jesus Cristo; inclui uma proximidade com Jesus Cristo, Salvador da humanidade, compreende uma familiaridade com a Bíblia, como livro básico de nossa fé, aprofunda um apreço pela Igreja, instituída por Jesus cristo, da qual estes alunos concretamente são membros; requer uma adesão  anual Às campanhas da Igreja no Brasil, da Fraternidade, no tempo da quaresma, e da Evangelização, no tempo do Advento; desenvolve uma vivência do Ano Litúrgico, particularmente dos tempos fortes da Páscoa e do Natal.
Falar mal da Igreja Católica em sala de aula, especialmente na disciplina de ensino religioso, é, sem dúvida contraditório e contraprudente.
A experiência de um ensino confessional, p. ex. na Itália, à escolha dos pais e alunos, foi muito positiva. É claro que isso exige uma preparação e uma formação acurada dos professores, bem como de um ambiente propício.
Em vez de trocar professores, os alunos trocam de salas, conforme a disciplina. Temos assim salas de matemática, de geografia, de português, de ciências e de ensino religiosos católico e salas para eventuais outras confissões religiosas, que se credenciarem e tiverem alunos.
O fato de algumas religiões não disporem de um número suficiente para formar uma classe de ensino religioso próprio, não pode impedir que os católicos, cuja condição permite esta opção, devam contentar-se com algumas noções superficiais, sem nenhuma aplicação e vivência práticas. Os demais, se não conseguirem o especifico, poderão continuar com o genérico do ensino religioso.
Para confirmar esta posição basta lembrar mais um exemplo. NA Alemanha, em diversos estabelecimentos, o ensino religioso assume oficialmente três dimensões: Católico para os católicos, luterano para os luterano e eclético para os demais.
Isto significa, concretamente, que as duas maiores denominações religiosas organizam os conteúdos, credenciam professores e supervisionam suas disciplinas. Os alunos, provenientes de suas famílias, recebem uma orientação religiosa que não só respeita mas complementa a formação recebida na família e na Igreja.
Conhecem assim sua história e firmam sua identidade religiosa também no campo do estudo fundamental. Não divagam sobre uma religião em geral, que não existe em parte alguma, mas se aprofundam naquela que se encontra na raiz da cultura e existência, dentro do conjunto das demais disciplinas da formação. OS demais seguem orientações gerais que poderíamos classificar de a-confessionais.
Recentemente surgiu, em Berlim, uma discussão sobre a equiparação do ensino religioso confessional e o ensino estatal da ética. Chegou agitar toda a Alemanha, por uma campanha denominada “pro Reli”. Pleiteia, através da coleta de assinaturas, um “referendum” para equiparar o ensino estatal da ética e o ensino confessional religioso.
Alega que, em nenhuma outra província, se propõe a alternativa de os alunos escolherem entre ambas. Em outras palavras, não se quer admitir a degradação do ensino religioso confessional À condição de uma disciplina auxiliar facultativa.
O que se defende são os valores fundamentais da sociedade. Até a ala mais à esquerda reconhece que o ensino religioso confessional proporciona às crianças e adolescentes uma consciência mais clara de uma humanidade e os garante contra eventuais desvios supersticiosos.
Na Alemanha está claro que quem não conhece Jesus Cristo e a Igreja não se pode dar por formado. A formação da personalidade, particularmente no Ocidente, está marcada inconfundivelmente pela ação da Igreja e não pode ignorar a mediação de sua tradição bi-milenar.
Para quem não quiser participar do ensino religioso confessional, na Alemanha, fica a alternativa de freqüentar aulas de formação ética. Tempos atrás, no Brasil tínhamos algo semelhante, como “Moral e Cívica”.
O Acordo garante, no Art. 11, um ensino religioso católico para os fiéis católicos do Brasil. Tem, com isso, em vista a formação integral da pessoa. Explicita “ensino religioso católico e de outras confissões para garantir a liberdade religiosa, a diversidade cultural e a pluralidade confessional”.
Abre assim a possibilidade de cada confissão religiosa fazer seu próprio acordo e ocupar o espaço que o Acordo com a Igreja Católica também lhe garante, se suas condições ambientais o permitirem.

O CASAMENTO LEGAL
A partir da Revolução Francesa tormou-se exigência o registro civil do casamento. O mesmo aconteceu também com o nascimento.
No sistema da união da Igreja e do Estado, no Regime do Cristandade, quem cuidava destas questões era a Igreja: fazia os registros do casamento e do batizado, que corresponde ao do nascimento, já que urgia o batismo das crianças nos primeiros dias da existência.
Hoje, no Brasil, para o período antes da proclamação da República, em fins do século XIX, estes registros de identificação das pessoas e de sua condição civil só se encontram nos arquivos da Igreja.
Separando o estado da Igreja sentiu-se a necessidade de fazer registros próprios tanto para o reconhecimento da cidadania, com o registro do nascimento, como para a concessão dos direitos civis do casados. Há, pois, a partir de então, a exigência de um duplo registro: o civil e o religioso.
Entende-se facilmente que os dois registros se refiram a realidades distintas, mas que facilmente podem ser confundidas. A Igreja, a rigor, registra A administração dos sacramentos.
Eles proporcionam ou alteram a personalidade jurídica de alguém em seu seio e, consequentemente, na comunidade que vivem os fiéis.
O Estado, após sua separação da Igreja, sente a necessidade de organizar-se e reconhecer os direitos civis de seus cidadãos mediante registros próprios. Por isso começa com o registro do nascimento, condição para qualquer direito de cidadania.
Depois vem o registro do casamento, para acolher a mudança de estado civil. A rigor não se pronuncia sobre a natureza nem do casamento nem da fé de quem registra o nascimento.
Apenas reconhece, para seu uso, os devidos direitos e deveres, que seus códigos civil e penal detalham, de quem se apresenta como nascido e de quem pede registro de seu casamento.
Para o nascimento, a Igreja registra o batismo. Faz nascer para uma vida nova, tornando a pessoa seu membro e filho de Deus. Para o casamento dispõe do sacramento do matrimônio, que, por sua natureza e por revelação divina, tem o caráter da indissolubilidade. É como o sacramento da Eucaristia.
A Igreja tem o poder de consagrar, tornando o pão e o vinho Corpo e Sangue de Cristo, mas não recebeu o poder de desconsagrar. Nem a profanação da Eucaristia lhe tira  sua natureza sobrenatural. A força do sacramento depende da ação divina e não da vontade humana nem da Igreja.
Com a separação da Igreja e do estado, além do matrimônio religioso, sentiu-se a necessidade de um “casamento civil. Sabemos que se trata apenas de um registro que pode eventualmente ser revogado. Seu objetivo é garantir os efeitos civis diante da sociedade.
Já que os fies realizam seu matrimônio na Igreja, não poderia este valer para o estado? O art. 12 do Acordo estabelece as condições: “ desde que registrado no registro próprio, produzindo efeitos a partir da data da celebração.
Simplifica-se o procedimento para o cidadão, sem contudo confundir as duas realidades distintas: do Sacramento e seu registro na Igreja e o registro no cartório civil para os efeitos civis.
Como a Igreja mantém tribunais eclesiásticos para dirimir questões jurídicas, particularmente no que diz respeito ao matrimônio, pelo Acordo, o estado acolhe as suas sentenças em matéria matrimonial. Requer apenas que sejam confirmadas pela Santa Sé, nos termos da Legislação brasileira sobre homologação de sentenças estrangeiras.

GARANTIAS DE ESPAÇOS SAGRADOS
República Federativa do Brasil, pelo art. 7 do Acordo, garante proteção aos lugares de culto da Igreja Católica, e às suas liturgias, símbolos, imagens e objetos cultuais.
Previne-se, assim, contra qualquer violação, desrespeito e uso ilegítimo. Assegura que não demolirá nem ocupará nenhum edifício, dependência ou objeto de culto católico.
Pelo art. 14 empenha-se também pela destinação de espaços para fins religiosos. Quer que sejam previstos nos planejamentos urbanos, dentro do Plano Diretor.
Trata-se, na verdade, de dois dispositivos de extrema importância e utilidade. Primeiro porque garante proteção. Elimina assim, pela raiz, a usurpação, com fins de confundir os fiéis e atraí-los para as próprias fileiras, de símbolos próprios da Igreja Católica.
Até agora as denúncias contra certos abusos, praticados por pessoas inescrupulosas, se respondia com a alegação da liberdade religiosa, no contexto da separação da Igreja e do Estado. O estado, com suas autoridades nos diversos setores, não se poderia ou não se queria imiscuir em questões religiosas.
Corria-se até o risco de alguém registrar símbolos católicos para pretender, depois, seu uso exclusivo. Em muitos ambientes tem-se receio da expressão tradicional “Igreja universal e Igreja Particular”, para evitar confusões.
A questão do espaço, a ser previsto para fins religiosos, na verdade, não constitui um favor para a vida dos cristãos que ocuparão os novos loteamentos, não inferior à necessidade da área verde.
Na ideologia marxista não se previa lugar para as igrejas em bairros populares porque se julgava supérfluo, quando não prejudicial. Operário não necessitaria de religião. Mas a primeira coisa que estes faziam, ao se instalarem em suas casa, era construir uma Igreja.
Danielou dizia, na grande década do ateísmo de 1960, que se é desumana uma cidade sem fábricas – por faltar emprego – mais desumana é uma cidade sem IGREJAS – por se abafar sua dimensão transcendente e eterna. O ser humano se nega a viver sem perspectivas maiores que o tempo e o espaço limitados.

VÍNCULO EMPREGATÍCIO
O Papa João Paulo II, de feliz memória, em sua encíclica Laborem exercens sobre o trabalho humano, eliminou a concepção materialista do trabalho daqueles que o viam exclusivamente na ótica da extração e transformação da matéria.
Reduzira-se ao setor primário e secundário, com o símbolo da foice e do martelo. A preponderância que rompeu esta barreira, passou decididamente a atenção para o setor terciário, da movimentação de bens, e para o quartenário, dos serviços. E já começamos a falar do quinquenário, a ultrapassar amplamente a concepção mercantilista do trabalho, considerado apenas em termos de salário.
A Igreja põe-se no plano da gratuidade. Não admite para seus servidores uma mentalidade de ganho material como lucro financeiro. Quem contribui é Deus. O trabalho pelo Reino é recompensado superabundantemente na base do mérito, de cem por um, com a promessa de vida eterna.
Assim temos um enorme exército de voluntários nas mais diversas pastorais. Os religiosos, com a sua consagração a Cristo, fazem votos de pobreza, castidade e obediência, para testemunharem  outras categoria de valores, bem mais sublime que os terrenos.
Trabalham por amor ao Reino de Deus. O clero secular assume, em tempo integral, sua atividade ministerial, em nome de Cristo, a serviço da Igreja. Não recebe, a rigor, salário. Por isso  não contrai vinculo empregatício. Como, porém, necessita viver, recebe o decreto de Deodoro da Fonseca denominou de “Cônglua sustentação”.
O adjetivo foi transformado em substantivo para definir a manutenção dos ministros da Igreja como Cônglua. O Acordo, no art. 16, reconhece esta condição peculiar do clero e dos religiosos. Isenta, por isso, essa atividade do vínculo empregatício. Garante que as tarefas de índole apostólica, pastoral, litúrgica, catequética, assistencial, de promoção humana e semelhantes, que grande parte dos fiéis executam, se enquadram na categoria do voluntariado.
Assim se eliminam, pela raiz, eventuais equívocos e dissabores, bem como explorações e traições, que iriam parar na justiça do trabalho.

VISTO PARA OS MISSIONÁRIOS

A Igreja é essencialmente missionária. O Brasil mais recebe que envia missionários. Sempre houve entraves burocráticos, que esbarram no visto de ingresso dos imigrantes. Com o art. 17 do Acordo, os Bispos do Brasil recebem autorização de convidar sacerdotes, religiosos e leigos de outros países e de pedir que lhes seja concedido o visto para exercer sua atividade pastoral no Brasil.
Sabemos quanto isso era, às vezes, difícil e continua uma cruz em diversos Países do mundo. No Brasil, graças ao Acordo, este problema agora está resolvido.
Sua responsabilidade é confiada aos Bispos. Garante o bom entendimento entre as autoridades da Igreja e as autoridades brasileiras, numa mútua e profícua colaboração.
AS RELAÇÕES DIPLOMÁTICAS
                       
Acordo garante a mútua representação, em relações diplomáticas entre a Santa Sé e a República Federativa do Brasil, respectivamente pelo Núncio Apostólico e por um embaixador do Brasil acreditado junto a Santa Sé.
A bem da verdade, na questão das embaixadas, o Brasil sempre teve  o maior esmero, escolhendo, mesmo em tempos de turbulências políticas, diplomatas de carreira, de alta qualidade e competência.
O Núncio Apostólico tem dupla função: uma se refere à vida da Igreja do Brasil, principalmente no tocante À escolha dos Bispos, e outra representa oficialmente a Santa Sé junto ao Governo. No corpo dos embaixadores ele ocupa a posição de decano.
A Santa Sé mantém relações diplomáticas com grande parte dos países do mundo. É, sem dúvida, o menor Estado, mas não o menos importante. Tem assento na ONU e sua voz é ouvida, com respeito, pelo mundo inteiro.
Causou espécie quando Stalin, após uma intervenção do Papa a respeito de suas invasões em outros países, perguntou sobre quantas legiões o Papa tinha, como que a reduzir a voz dos poderosos ao seu exército.
A Santa Sé tem sua grandeza e poder na Mística. Sua missão é promover a paz no mundo, pelo bom entendimento entre os povos e propor uma mensagem de fraternidade e de fé. Irradia, com especial claridade, a luz de Cristo, para que , nele, todos os povos tenham vida.

OS SEMINÁRIOS
O Art. 10 do Acordo enfatiza dos seminários e demais institutos eclesiásticos de formação e cultura.  A Igreja precisa formar seus agentes, de modo especial, seu clero. O Brasil lhe dá garantias de livre exercício para essa importante missão e se dispõe a reconhecer os efeitos civis dos mesmos, em condição de paridade com os estudos que ele mesmo promove.

O SIGILO SACRAMENTAL
Para a Igreja o sigilo de confissão é absolutamente sagrado e inviolável. Está ligado ao relacionamento com Deus. Quando alguém confessa seus pecados estes são, pela absolvição, apagados.










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